Dividendos em queda: por que estas ações foram consideradas ‘decepções’ em 2023?
Companhias apresentaram um dividend yield que variou entre inferior e mediano nos últimos três anos, segundo levantamento
Juros elevados, arrefecimento nos preços das commodities e incerteza com a reforma tributária foram alguns dos fatores que provocaram a queda nos dividendos em 2023. Segundo dados da plataforma Meu Dividendo, a baixa em relação ao recorde registrado em 2022 foi de 30%.
As companhias também seguraram mais recursos em caixa, diante da instabilidade local e no exterior. O tempo médio entre o anúncio e o efetivo pagamento de proventos foi de 84 dias em 2023 – o mesmo que o registrado em 2020, na pandemia.
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Companhias como Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3) tiveram uma participação relevante na queda das distribuições. Ambas as empresas remuneraram seus investidores com R$ 119,71 bilhões em 2023, revela levantamento feito por Einar Rivero, diretor da Elos Ayta Consultoria. Por outro lado, em 2022, o montante distribuído por elas foi de R$ 230,79 bilhões – um corte nos proventos de 48,1%.
Dividendos 2023: outras companhias tiveram baixas
Mas essas empresas não foram as únicas que apresentaram queda substancial nos dividendos. De acordo com o levantamento de Rivero, 14 companhias tiveram em 2023 um dividend yield (retorno com proventos) inferior a mediana registrada nos últimos três anos.
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Algumas empresas, como Copel (CPLE6), Taesa (TAEE11) e Enauta (ENAT3) entregaram o menor dividend yield desde 2020 aos seus investidores.
Uma queda no dividend yield nem sempre é um sinal de alerta, avaliam analistas. Às vezes pode significar uma mudança de estratégia nos planos da empresa, que passou a investir no seu crescimento. Também pode ser o resultado da forte valorização das ações da companhia no período. Mas também há casos em que um dividend yield baixo sinaliza um futuro complexo para a remuneração dos acionistas.
A Inteligência Financeira consultou alguns analistas e mostra quais empresas decepcionaram os investidores, ou seja, que tiveram uma baixa nos dividendos 2023 e quais ainda podem ser oportunidade para renda passiva.
Ação | DY 2023 até 26/12 | Mediana DY 3 anos | Mínimo DY 3 anos |
Copel (CPLE6) | 4,23% | 15,68% | 4,49% |
Copel (CPLE3) | 4,43% | 14,99% | 4,08% |
Unipar (UNIP6) | 3,95% | 14,60% | 3,42% |
Taesa (TAEE11) | 8,41% | 13,35% | 10,30% |
Bradespar (BRAP4) | 10,17% | 13,09% | 5,23% |
Gerdau (GGBR4) | 5,72% | 12,56% | 1,60% |
CPFL Energia (CPFE3) | 8,69% | 11,37% | 5,07% |
Vale (VALE3) | 6,84% | 9,73% | 4,52% |
Cemig (CMIG3) | 7,99% | 9,47% | 2,13% |
Telefônica Brasil (VIVT3) | 6,90% | 7,45% | 4,20% |
Wiz (WIZC3) | 6,35% | 7,39% | 4,74% |
Enauta (ENAT3) | 1,11% | 7,14% | 1,64% |
Santander (SANB11) | 5,92% | 6,72% | 5,66% |
Banco ABC (ABCB4) | 6,26% | 6,40% | 3,30% |
Micos nos dividendos 2023
Wiz (WIZS3)
O analista Gabriel Duarte, da Ticker Research, aponta que a corretora de seguros Wiz (WIZS3) é uma das empresas que desapontou os investidores pelos dividendos. Afinal de contas, em 2023, até 26 de dezembro, a companhia registrou um dividend yield de 6,35%, abaixo da mediana de dividend yield dos últimos três anos, de 7,39%.
Dessa forma, a queda nas distribuições apenas mascara algumas mudanças estruturais da companhia, que tem enfrentado dificuldades para rentabilizar com investimentos feitos nos últimos anos, afirma Duarte.
Para quem não lembra, a Wiz tinha uma parceria de 47 anos com a Caixa Econômica Federal para oferecer os seus seguros pelo balcão do banco, mas que terminou em 2021. A dependência dessa relação para a receita da Wiz era de 70%.
Nos últimos anos, a Wiz precisou substituir essa receita com novas parcerias, entre estas as feitas com Inter Seguros, BMG Corretora, Banco de Brasília e Paraná Seguros. “Essa diversificação de operação, com novas participações, tem se mostrado menos rentável que o esperado”, avalia Duarte.
Mas essa não foi a única mudança. Afinal de contas, em janeiro de 2023, o CEO Heverton Peixoto deixou o cargo após decisão do conselho de administração, que estava descontente com “estratégias agressivas” de fusões e aquisições feitas pelo executivo.
Em outubro, a companhia aprovou a redução do payout (parcela do lucro destinada a proventos) de 50% para o mínimo obrigatório de 25%. Portanto, até 2019, a companhia costumava distribuir 100% do seu lucro em dividendos aos acionistas. “Essa redução de payout mostra que a empresa está de fato enfrentando dificuldades”, pontua Duarte.
Sergio Biz, analista focado em dividendos e sócio do GuiaInvest, acredita que a redução de payout feita pela Wiz sinaliza que a queda dos proventos, vista em 2023, deve permanecer no futuro. “Para 2024, não vejo a Wiz como uma alternativa interessante pensando em dividendos”, alerta.
Copel (CPLE6)
Outra companhia que decepcionou nos dividendos 2023 foi a Copel (CPLE6), segundo Biz. Então, a empresa teve um dividend yield de apenas 4,23% em 2023, abaixo da mediana de três anos de 15,68% e inferior ao dividend yield mínimo registrado desde 2020, de 4,49%.
Biz lembra que a companhia passou por um processo de privatização, o que justificaria o impacto nos dividendos no curto prazo. No entanto, o analista enxerga que no médio prazo a Copel pode voltar a distribuir bons proventos.
“Acho que em 2024 os dividendos da Copel melhoram, mas não devem chegar ainda ao patamar dos anos anteriores”, diz Biz. Em 2022, a companhia registrou um dividend yield de 15,68%, enquanto em 2021 o retorno em dividendos da empresa foi de 16,04%.
Biz destaca que apesar do retorno em dividendos baixo de 2023, a companhia conseguiu compensar seus investidores com a valorização das ações, que superou ganhos de 30%.
Além da privatização, houve outros motivos que justificam a queda nos proventos.
Renato Reis, analista da DVInvest/Blue3 Investimentos lembra que a companhia pagou muitos dividendos em 2021 e 2022 por conta da crise hídrica. “A Copel tem uma parcela interessante do seu portfólio em energia térmica e se beneficiou com a falta de chuvas”, comenta.
Por se tratar de um evento não recorrente, Reis destaca que já era esperado pelo mercado uma queda nos dividendos. “Foram anos atípicos. Se olhar para o histórico da companhia teve anos que ela entregou no máximo 6%”, diz.
Enauta (ENAT3)
Reis cita também a petroleira Enauta (ENAT3), como outra empresa que desapontou investidores. A empresa enfrentou problemas com seu sistema de produção em 2023, tendo que fazer várias pausas para manutenção, o que impactou a receita e os dividendos. “Já era esperado esse dividendo ruim porque a empresa está em fase de transição de um sistema para outro”, explica o analista.
Mas não foi apenas a transição e sim quando isso aconteceu que transformou a companhia em um mico nos dividendos. Para Reis, o ‘timing’ das pausas foi muito ruim.
“Em alguns trimestres a empresa forçava um pouco para produzir, mas o preço do petróleo estava bem baixo. Já quando o petróleo estava em alta, a produção estava parada”, aponta.
Com um novo FPSO – unidade flutuante que permite a produção, armazenamento e transferência de petróleo e gás em alto-mar – entrando em operação, analistas acreditam que a companhia conseguirá melhorar sua capacidade de produção e exploração em 2024.
Mas dividendos só serão retomados com força a partir de 2025. Reis espera dividendos de 5% em 2024. Já Duarte, da Ticker, projeta um dividend yield de 4,7%.
Gerdau (GGBR4)
Outra companhia com queda no dividend yield que desapontou investidores foi a Gerdau (GGBR4). A siderúrgica registrou um retorno em proventos de 5,72% em 2023, abaixo da mediana de três anos de 12,56%.
De acordo com Alex Carvalho, analista CNPI da CM Capital, a Gerdau teve um impacto significativo da desaceleração do mercado chinês. “A queda nos dividendos foi mais expressiva. Então, no desempenho geral, a companhia não conseguiu ter o mesmo brilho que outros ativos”, avalia.
Ainda vale a pena?
Em algumas empresas, a queda dos proventos pode ser temporária e há chances de retomada no curto prazo, apontam analistas.
Reis explica que na Taesa (TAEE11) as distribuições de 2022 e 2021 foram atípicas, favorecidas por obras em construção que contribuíram nos custos e receitas, além de a inflação elevada que engordou alguns resultados da transmissora.
Em 2023, então, com arrefecimento do IPCA (inflação), o lucro e os dividendos da Taesa recuaram. Apesar disso, a companhia entregou um dividend yield de 8,41% no período.
Para 2024, Biz, do GuiaInvest, acredita que a Taesa deve se beneficiar com a retomada do IGP-M, indicador de inflação que impacta na receita contábil da companhia. O IPCA influencia nos resultados regulatórios.
“Se conseguir aumentar a sua eficiência com bom controle de custos, pode entregar dividendos bons em 2024, embora ainda longo dos apresentados em 2021 e 2022”, destaca. Biz projeta um dividend yield de 7,8% para Taesa em 2024 – inferior ao de 2023.
Para Carvalho, da CM Capital, a companhia apresentou resultados sólidos e é possível esperar uma alta marginal nos proventos em 2024.
Vale (VALE3) com boas perspectivas
Outra empresa vista como oportunidade é a mineradora Vale (VALE3), que teve um dividend yield de 6,84% em 2023, abaixo da mediana de três anos, de 9,73%.
Para Duarte, da Ticker, a companhia deve se beneficiar com a melhora do preço do minério de ferro em 2024, que já alcançou US$ 140 em dezembro. “Se o minério se sustentar nesse patamar, a empresa vai gerar bastante caixa”, afirma. Ele projeta um dividend yield de 7% para VALE3.
Para Biz, a Vale tem potencial para entregar um dividend yield de 9,5% em 2024 – levando em conta o câmbio atual e o preço do minério entre US$ 110 e US$ 120 a tonelada. O analista destaca que a companhia já deixou claro que a produção deve continuar forte neste ano, permitindo uma boa diluição dos custos fixos.
Setor financeiro também tem bons olhares
Os agentes de mercado destacam também os bancos Santander (SANB11) e ABC (ABCB4), que tiveram uma queda pouco significativa nos proventos em 2023.
Reis aponta que bancos de varejo como o Santander tiveram seu Retorno sobre Patrimônio Líquido (ROE) afetado pela inadimplência, o que pressionou os dividendos.
Para 2024, a expectativa é de uma leve recuperação. No Santander, Reis espera um retorno em dividendos de 6%.
Já para o Banco ABC, que trabalha com clientes corporativos principalmente do segmento middle – empresas com faturamento anual entre R$ 30 e R$ 300 milhões – a expectativa é de crescimento da margem financeira com expansão das linhas de negócios e aumento na receita de serviços.
“O banco entregou resultados fortes em 2023 e a tendência é de continuidade em 2024. Especialmente considerando que não deve ser afetado por fortes provisões, como aconteceu no último ano com o caso Americanas”, pontua Biz. O analista espera um dividend yield de 7% para ABCB4 neste ano.