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Aqui, ali, em todo lugar: juros altos definem nova era no mercado global
Nesta quarta-feira (21), o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) deve confirmar que uma nova era está começando para o mercado financeiro global.
Depois de mais de uma década de inflação e juros baixos, com generosos estímulos do governo americano à atividade econômica, o Fed deve aumentar a taxa de referência das operações de crédito em 0,75 ponto percentual, para o intervalo 3%-3,25% ao ano, de acordo com a maioria das previsões.
Será o terceiro aumento consecutivo da mesma magnitude, mas o que faz da atual reunião do comitê de política monetária do Fed um divisor de águas é a esperada sinalização de que haverá outras altas e os juros permanecerão no patamar mais alto desde a bolha do mercado imobiliário de 2005-2006.
A autoridade monetária americana está aumentando sua taxa básica para tentar controlar a inflação, que está no maior nível em 40 anos. Em julho, o índice de preços ao consumidor dos EUA (CPI, na sigla em inglês) desacelerou para 8,5% em 12 meses dos 9,1% de junho, alimentando forte otimismo de que o pior já havia passado – a inflação tinha atingido um pico e dali em diante cairia fortemente. Mas não. O CPI surpreendeu e ficou em 8,3% em agosto, com núcleo (inflação excluindo os preços de energia e alimentos, tido como muito voláteis) subindo de 5,9% em julho para 6,3%.
Somado ao discurso duro dos membros do comitê do Fed, que em todas as suas aparições públicas têm frisado que o banco não medirá esforços para conter os preços, esse indicador enterrou de vez o otimismo. A decisão desta quarta (21) deve corroborar a visão, agora pragmática, de que o cenário está muito mais difícil do que se poderia imaginar.
E vai piorar. O resultado esperado de um aumento de juros é desacelerar a economia. O economista iraniano-americano Nouriel Roubini, apelidado de Dr. Doom (algo como Dr. Catástrofe) por ter previsto a crise financeira global de 2008, disse à agência de notícias Bloomberg nesta segunda (19) que espera uma longa e difícil recessão para os EUA, com quedas de até 40% das Bolsas de Valores americanas.
O mar vai virar sertão
A combinação de juros baixos e estímulos econômicos dos últimos anos não foi exclusiva dos EUA. Ao contrário, repetiu-se em muitos países, beneficiando bastante o mercado de ativos de renda variável, especialmente as ações de empresas negociadas na Bolsa.
Boa parte do dinheiro recebido do governo foi usado para investimentos financeiros. Esses recursos que ficavam sobrando buscavam aplicações que pagassem mais do que a renda fixa (na Europa, a taxa de juros real chegou a ficar negativa). Quanto mais sobrava, maior o risco que os investidores aceitavam correr para tentar receber retornos mais gordos. Essa foi a onda que alimentou as startups, empresas seminais de tecnologia. As pouquíssimas que dão certo enriquecem os investidores que nelas apostaram desde o começo, compensando aportes que não foram bem-sucedidos.
Esse mundo está ficando para trás.
“O mundo deve passar por um período em que a inflação vai ficar mais alta do que se estava acostumado, por mais tempo. Não no nível que está agora, mas se acomodando entre 4% e 6% ao ano, o que é alto para os EUA e a Europa”, diz Dan Kawa, estrategista-chefe da gestora TAG Investimentos. “Isso demanda uma política monetária mais apertada por mais tempo.”
Com juros altos, inflação, recessão e a retirada de estímulos, o dinheiro antes abundante vai secar. Os investidores estão se tornando mais e mais cautelosos, buscando refúgio novamente na renda fixa.
E o Brasil?
O enxugamento deve atingir o Brasil, na opinião dos especialistas. As nações emergentes oferecem a possibilidade de ganhos maiores para os investidores porque são vistos como mais arriscados. Então, os estrangeiros podem escolher tirar seus recursos do país para aplicar em renda fixa nos EUA.
O BC brasileiro começou a aumentar os juros em março do ano passado, um ano antes do americano, por isso está em uma situação um pouco mais confortável. Após registrar uma deflação de 0,68% em julho, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) voltou a ficar negativo em 0,36% em agosto, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em sua reunião do início de agosto, o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) aumentou a taxa básica Selic em 0,5 p.p., para 13,75% ao ano, sinalizando que pararia por aí. Assim como o Fed, nesta quarta (21) o comitê brasileiro vai anunciar seus próximos passos na estratégia para conter a inflação, e a ampla expectativa dos analistas é de que mantenha os juros no nível atual.
Há uma minoria projetando mais um aumento de 0,25 p.p., mas, na avaliação de Marilia Fontes, sócia-fundadora da casa de análises de investimentos independente Nord Research, o mais provável é que o Copom segure a Selic nesse patamar por mais tempo. “Acredito que só vai começar a recuar no segundo semestre do ano que vem”, afirma.
Não está fácil, para os economistas, fazer previsões. Diversos aspectos do cenário atual vão contra as teorias clássicas. Por exemplo, a taxa de desemprego no Brasil caiu para 9,1% no trimestre encerrado em julho (dados mais recentes disponíveis). É a menor porcentagem desde outubro de 2015.
“Com a alta dos juros, o esperado era que o desemprego aumentasse”, diz Fontes. Para ela, a explicação que mais faz sentido é que os estímulos dados pelo governo brasileiro recentemente estão ajudando a impulsionar a atividade. Nos últimos meses, o governo federal cortou impostos dos combustíveis e da energia elétrica, aumentou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e concedeu abonos para os taxistas e caminhoneiros.
A pressão inflacionária desses estímulos pode diminuir bastante a efetividade da política monetária. Se causarem uma nova onda de aumentos de preços, o BC teria que elevar mais a Selic antes de voltar a reduzi-la.
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