Payroll deve desacelerar, segundo analistas, mas sem evidenciar próximas altas do Fed

Mercado já precifica aumento de 0,5 ponto percentual na próxima reunião do Fed, dia 22, para a faixa entre 5% e 5,25% ao ano, segundo compilado do CME Group

O relatório de empregos — o chamado “payroll” —, de fevereiro, dos Estados Unidos mostrará uma desaceleração considerável em relação à surpreendente criação de 517 mil vagas em janeiro, mas não ao ponto de alterar a percepção de um mercado de trabalho americano robusto, segundo projetam analistas.

Desta forma, a leitura do mercado sobre a próxima decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed) não se alteraria de forma drástica. Atualmente, de acordo com dados do CME Group, há 77,9% de chance de que o Fed eleve os juros em 0,5 ponto percentual (p.p.), para a faixa de 5% a 5,25%, ante 22,1% de chance para elevação de 0,25 p.p., à banda de 4,75% a 5%.

Com expectativa de geração de empregos mais forte que a maioria das casas, o Wells Fargo projeta criação de 270 mil vagas em fevereiro e aumento salarial de 0,4% em relação ao mês anterior.

Segundo o economista-chefe do banco, Jay Bryson, fatores como a alta do componente de empregos do índice de atividade no setor de serviços do Instituto para Gestão da Oferta (ISM, na sigla em inglês) a 54 em fevereiro — de 50 em janeiro —, o nível baixo de pedidos por seguro-desemprego e um clima ameno no começo de 2023 explicam a projeção mais alta.

“Dito isso, a média de 3 meses entre outubro e dezembro (antes da explosão de 517 mil em janeiro) foi de 291 mil empregos criados, então, nossa estimativa de 270 mil implica alguma desaceleração nas contratações em relação ao final do ano passado”, esclarece Bryson, em comentário enviado ao Valor.

Com projeção de 250 mil vagas criadas em fevereiro, também um pouco acima da maioria, o Goldman Sachs espera alta média dos salários de 0,3% em fevereiro, nível consistente com uma alta de juros tanto de 0,25 p.p. quanto de 0,5 p.p. no dia 22 de março, quando ocorre a próxima reunião do Fed.

“Portanto, vemos nossa previsão permanente de alta de 0,25 p.p. em março por um triz, com algum risco de que o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) opte por 0,5 p.p.”, completam os economistas do banco, em relatório.

“Uma forte desaceleração do mercado de trabalho não será nem de perto suficiente para convencer o Fed de que as condições do mercado de trabalho estão melhorando o suficiente para derrubar a inflação”, alerta Nancy Vanden Houten, chefe de pesquisa para EUA da Oxford Economics.

A projeção da casa é de criação de 235 mil empregos em fevereiro, o que manteria a taxa de desemprego nos EUA em 3,4%. Já o ganho salarial mensal deve ser de 0,3%, segundo a Oxford.

De acordo com Houten, a “maioria das medidas” mostra que o ganho salarial moderou, mas não a ponto do Fed alterar o caminho de sua política monetária. Ela espera mais três altas de juros de 0,25 p.p. pelo BC americano, mas admite que há chance de um aperto monetário maior.

O economista-chefe internacional do ING, James Knightley, ressalta que há muita incerteza em relação ao payroll de amanhã, que pode vir tanto com uma surpresa em alta quanto em baixa. Ele espera criação de 200 mil empregos em fevereiro.

Ontem, saíram dois dados sobre o mercado de trabalho americano: o relatório da American Data Processing (ADP) mostrou criação de 242 mil vagas em fevereiro, enquanto o relatório Jolts registrou redução de 200 mil vagas em aberto nos EUA, a 10,8 milhões.

A confiança em ambos os dados enquanto prévias para o payroll, contudo, está baixa entre economistas e investidores. O relatório da ADP passou recentemente por uma revisão para uma nova metodologia ainda pouco testada. Além disso, ao mostrar criação de 106 mil vagas em janeiro, o dado veio muito diferente da alta de 517 mil mostrada pelo payroll.

“O [relatório da] ADP é um guia profundamente não confiável para o payroll; qualquer que seja seu resultado, ignore”, recomenda a clientes o economista-chefe da Pantheon Macroeconomics, Ian Shepherdson.

Já o Jolts é divulgado com um mês de atraso e, embora registre arrefecimento do mercado de trabalho, também se encontra em um nível robusto, diz James Knightley, do ING.

Para Shepherdson, o relatório Jolts “exagera sobre a força da procura por mão de obra e a pressão sobre o crescimento dos salários” nos EUA. “Não fosse o foco do presidente [do Fed, Jerome] Powell no Jolts, nós ignoraríamos o relatório”, diz.

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