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Transparência no futebol: quando menos é menos
Desde o início do processo de debates a respeito da transformação de clubes de futebol associativos em empresas, o um dos argumentos mais utilizados era o de que essa transformação traria governança e transparência aos clubes. Na sequência dessa afirmação vinha a expressão “profissionalização da gestão” como argumento inquestionável de que um clube-empresa era a salvação do futebol brasileiro.
Ser empresa não garante a governança
Este é o primeiro ano em que temos SAFs divulgando informações e apresentando trabalhos efetivos no futebol brasileiro.
Aquilo que eu sempre disse nas aulas dos cursos de gestão financeira da CBF Academy está se confirmando: ser empresa não garante governança e transparência, ainda que permita sim maior profissionalização da gestão.
Na prática, a criação das SAFs ajudou a trazer algum dinheiro e colocou bons profissionais operando clubes. Já é bom, mas quando o tema é a transparência o comportamento é bem pior que os criticados clubes associativos.
Balanços dos clubes de futebol
Estou em pleno processo de análises dos balanços para divulgá-las no Relatório Convocados desse ano, e o que tenho visto não me anima muito. Aquela sensação de evolução ficou para trás.
Raros são os clubes que melhoraram a qualidade do que divulgam, com notas explicativas detalhadas e informações que ajudam ao torcedor entender a realidade financeira do seu clube de coração.
A ideia de que a padronização estava melhorando também virou pura ilusão. Além de adotarmos um padrão contábil desalinhado com o resto do mundo, boa parte dos clubes divulga informações sem maiores detalhes, com valores relevantes classificados como “Outros”, sem notas explicativas padronizadas. Cada clube faz de um jeito e aceite que dói menos.
Quem fiscaliza?
Não temos quem fiscalize nada e garanta a integridade das informações. Escrevi recentemente que a Lei Geral do Esporte manteve a longínqua data de 30 de Abril como limite para publicação das informações financeiras completas, mas quem fiscaliza? Cruzeiro SAF divulgou dados em 18 de maio, Red Bull Bragantino e Botafogo SAF divulgaram balanços sem notas explicativas. O Vasco SAF não se deu ao trabalho de fazer uma DRE proforma com 12 meses.
Liverpool, Manchester City, Real Madrid, Milan, Juventus, Internazionale, Crystal Palace – sim, Crystal Palace! – divulgam informações completas porque são obrigados, porque querem ter um bom relacionamento com os stakeholders e porque são cobrados por isso. E ninguém tem receio de divulgar “informações estratégicas”.
Enquanto isso, as criticadas associações como o Flamengo e o Palmeiras divulgaram as demonstrações financeiras em Março, com notas explicativas, detalhes, relatórios de gestão. Estão anos-luz à frente dos tais clubes-empresas, que nas vozes de quem defendia a chegada das SAFs seriam os guardiões da transparência e da governança.
As SAFs, que são equiparadas às sociedades anônimas de capital fechado, deveriam justamente puxar o coro da melhor qualidade da informação para seus torcedores.
Futebol é paixão
O futebol não é produção de molho de tomate, onde o consumidor até escolhe o sabor, mas não costuma ter paixão pela marca.
Futebol é uma indústria que vende paixão, relacionamento com o torcedor, e parte dele vem justamente da capacidade de se comunicar de forma clara e transparente.
Parte do processo de recuperação financeira do Flamengo foi justamente abrir informações ao mercado, ganhar credibilidade.
Não é porque um clube passa a ter dono que não precisa dessa transparência. Todos buscam aumentar receitas, relacionamento com o mercado, acesso a mais dinheiro, pois só assim o negócio cresce e gera valor ao acionista.
Sem balanços, com premissas
Não falo por mim. Se não tiver balanço completo adotarei premissas, publicarei o que for possível. Mas isso é um problema para o torcedor, que fica cada vez mais distante da realidade do seu clube.
Em tempo: as demonstrações do Cruzeiro SAF, apesar de atrasadas, vieram com bom detalhamento. Mais uma vez mostra como a gestão do clube é mais alinhada com as boas práticas de mercado.
Padronização, informações claras, entregas mais rápidas. Tudo trabalha na direção de melhorar a imagem da indústria do futebol. Precisamos que os clubes retomem este caminho.
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