Fundos de investimento se preparam para novo formato

Estrutura que abrange várias classes de cotas pode ser mais econômica, avalia Anbima

Pleitos antigos do mercado de capitais foram atendidos no novo marco de fundos de investimentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Um deles é o de que os fundos possam ser um grande guarda-chuva, abarcando várias classes de cotas, estratégias e políticas de investimentos sem misturar o patrimônio de cada uma delas. As estruturas multiclasses entrarão em vigor em 1º de abril de 2024 e advogados e representantes da indústria buscam entender a melhor forma de adaptar os produtos atuais e lançar novas estruturas. Até lá, a expectativa é que questões referentes à tributação dos fundos possam ser solucionadas.

A ideia principal da classe de cotas é oferecer para o mercado brasileiro algo comum nos Estados Unidos e na Europa. Uma estrutura multiclasses pode não ser percebida em um primeiro momento pelos investidores, mas tem potencial para oferecer uma economia financeira para o cotista, que é quem banca as despesas dos fundos. E para os prestadores de serviços, representará, por exemplo, uma simplificação operacional.

“A classe de cotas funciona como um chassi de um carro. Com este tipo de estrutura, estamos falando de um carro mais confortável, mais seguro, e que vai continuar te levando para onde você quer ir. Possivelmente, será mais econômico do que o carro que você tem hoje”, compara o vice-presidente da Anbima, Pedro Rudge.

Um exemplo prático é o caso de um grande banco que possui dezenas de fundos de renda fixa que aplicam basicamente no mesmo tipo de ativo, mas se diferenciam em termos de público-alvo. Nestes casos, para o investidor de alta renda, a aplicação mínima tem um valor mais alto e uma taxa de administração mais barata, comparado ao mesmo fundo que se destina ao público em geral e tem investimento inicial menor. Cada um desses produtos tem custos fixos com serviços como administração, custódia e auditoria, que eventualmente poderiam ser compartilhados pelos cotistas. Ao adotar uma estrutura multiclasses, cada uma das classes ou subclasses poderá ter seu próprio prazo de resgate, taxa de administração, público-alvo e “benchmarks” diferentes para taxas de performance.

Da mesma forma, gestores independentes tendem a se beneficiar. Nestes casos, é comum utilizar estruturas conhecidas como “master feeders”. São criados diversos fundos de investimentos em cotas (FICs), que investem em fundos da própria instituição e que são utilizados para distribuir o fundo master para diferentes alocadores. Com as mudanças, será possível consolidar os FICs em uma classe única, separados por subclasses, com potencial ganho de simplificação no número de fundos.

“As classes e subclasses trazem um ganho de eficiência muito grande. Nessas estruturas master feeders, não será necessário criar novos fundos. É um ganho de eficiência muito grande que, no final do dia, deveria se refletir em custo mais baixo, rentabilidade melhor, cobrança de taxa mais eficiente, simplificação das estruturas, o que vai gerar um ganho interessante para o cotista”, afirma Fábio Cepeda, sócio- fundador do Cepeda Advogados.

Como o conceito é novo, vai exigir amadurecimento do mercado. Os administradores devem inicialmente adaptar sistemas, com foco em uma migração suave. E o tema fiscal é algo a ser resolvido. A legislação atual não considera a tributação de classes e sim dos fundos, o que pode afetar o entendimento da Receita Federal. Uma alteração legal seria relativamente simples, mas não há previsão. No ano passado, tentativas da Anbima em Brasília não se concretizaram, e a entidade pretende continuar trabalhando para que isso ocorra.

Inicialmente, a solução encontrada pela CVM foi permitir este tipo de estrutura para os fundos de investimentos financeiros (FIF, que inclui ações, cambiais, multimercados e renda fixa), anteriormente conhecidos como “fundos 555”, que tenham o mesmo tratamento tributário.

No primeiro momento talvez faça mais sentido manter a estrutura atual dos fundos por causa da questão tributária, afirma a advogada Julia Franco, sócia do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. “O ideal seria poder ter uma estrutura como é lá fora, com diferentes estratégias e diferentes conjuntos de ativos. Quando este ponto fiscal for resolvido, não será necessário montar tantos fundos”, diz. Há gestoras que estão em contato com advogados para adaptação dos regulamentos de fundos existentes. “Há clientes que pensam em estruturar classes de cotas, mas ainda tudo é novo e não há nada concreto”, afirma Ingrid Hessling, sócia do Souto Correa Advogados. O escritório vai estruturar um fundo de direitos creditórios (FIDC) antes da entrada das novas regras da CVM a partir de abril, que posteriormente será adaptado.

Outro ponto de atenção para o uso de classes é um receio de eventual contaminação em caso de algum problema em uma das cotas. A Lei da Liberdade Econômica, que motivou a alteração nas nas regras da CVM, deixou expresso que cada classe tem patrimônio segregado. Assim, se no futuro uma delas tiver um patrimônio negativo ou for considerada insolvente, isso não deveria afetar outras classes ou todo o fundo. “Mas ainda não há jurisprudência. Seria importante o judiciário entender e se posicionar. A Anbima planeja se aproximar e abrir o diálogo com varas empresariais e desembargadores”, afirma Rudge.

Mesmo sem um esclarecimento por parte da Receita Federal ou mudança legislativa, a possibilidade de estruturar um fundo com classe de cotas é considerado um avanço, afirma o advogado Gustavo Rabello, do escritório TozziniFreire. “Há alternativas para criar diferentes combinações. Temos a vantagem da segregação patrimonial. Será um trabalho interessante construir fundos ecléticos em que as classes de cotas serão destinadas a diferentes investidores”, diz.

Por Juliana Schincariol

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