Tributação de investimentos no exterior pode levar a uma ‘corrida’ à Justiça

Medida, que mira R$ 1 trilhão em ativos, visa a compensar perda de arrecadação com IR

A medida provisória (MP) que o governo federal editou na noite de domingo (31) mira mais de R$ 1 trilhão (US$ 200 bilhões) em ativos de pessoas físicas no exterior, muitos deles em paraísos fiscais. Com isso, o governo quer compensar a perda de arrecadação que terá com a nova faixa de isenção do IR, que entrou em vigor na segunda-feira (1).

Para especialistas, a MP prevê acertar o “limbo tributário” que existe nos investimentos no exterior. Hoje, a tributação incide sobre os valores apenas quando eles são repatriados. A partir do ano que vem, o IR vai incidir sobre o rendimento da aplicação todos os anos. No entanto, alertam, a mudança pode levar à judicialização.

“O governo está tentando fazer é que esses valores detidos por brasileiros no exterior, via empresas offshore, venham a ser tributados independentemente da disponibilização desses valores para pessoas físicas, e aí pode ter uma ilegalidade. O montante está na pessoa jurídica. Se não há disponibilidade de renda, não há de se falar na incidência do Imposto de Renda. Vamos ter uma corrida ao Poder Judiciário”, alertou Rafael Korff Wagner, sócio da Lippert Advogados e presidente do Instituto de Estudos Tributários e da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS.

A MP aumenta a faixa de isenção do IRPF para R$ 2.640. E determina duas faixas de cobranças sobre o rendimentos no exterior: 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6 mil e não ultrapassar R$ 50 mil; e de 22,5% para rendimentos acima de R$ 50 mil. Valores abaixo de R$ 6 mil não serão tributados.

As alíquotas valem a partir de 2024 para aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e os recursos em trusts. Estes são uma entidade contratual regida por lei estrangeira e que estabelece uma relação jurídica entre o instituidor (dono dos recursos), o trustee (pessoa ou instituição que administra os recursos) e os beneficiários (uma ou mais pessoas indicadas pelo instituidor para receber os bens ).

‘Isonomia’, diz secretário

“No regime atual, não existe uma tabela específica para investimentos no exterior, mas aquela progressiva do IR que vai de zero a 27,5%. A MP cria uma regra específica e reduz essa alíquota para 22,5%. Vai antecipar a tributação, mas com uma alíquota mais vantajosa”, disse o sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Eduardo Zangerolami.

Em nota, o Ministério da Fazenda argumentou que a a medida é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E ressalta que a maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha (desde 1972), Canadá (1975) e Japão (1978), adota essa regra.

Em entrevista à Globonews, o secretário-executivo do ministério, Gabriel Galípolo, disse que a MP cria “isonomia” entre tributação de investimentos no Brasil e no exterior.

“Ela [a MP] cria uma isonomia, porque o investidor brasileiro que está aqui já paga esse tipo de imposto sobre o rendimento. O fato de você poder colocar dinheiro fora do Brasil numa estrutura que não paga imposto criava dois tipos de distorções: a primeira era quem pode mais paga menos. E a locativa: eu dava prêmio para quem tirava dinheiro do Brasil e colocava fora. Estamos estimando mais ou menos R$ 1 trilhão (montante que poderá ser tributado).”

O governo calcula potencial de arrecadação de R$ 3,25 bilhões neste ano e R$ 3,59 bilhões em 2024. Por outro lado, a perda de receitas com a nova tabela do IR será de R$ 3,2 bilhões neste ano e R$ 5,88 bilhões em 2024.

A arrecadação com a nova tributação neste ano vai ocorrer, porque a MP autoriza a atualização do montante no exterior informados para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022. Neste caso, a alíquota de IR será de 10%. O imposto deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.

Variação cambial

Os especialistas levantam dúvidas se a medida vai cobrir a perda de receita com IR.

“É uma medida de caráter pedagógico do que financeiro”, avaliou Wagner, da Lippert Advogados.

Luiz Gustavo Bichara, sócio do Escritório Bichara Advogados, criticou a alteração ter sido feita por uma medida provisória, sem discussão no Congresso. E criticou a tributação de valores que ainda não entraram no país sujeitos a variações como o câmbio.

“Historicamente, isso era diferido do momento em que o contribuinte trazia o dinheiro porque você tem certeza do montante. Estamos taxando valores que podem não existir.”

Por Eliane Oliveira, Alice Cravo e Vitor da Costa

Leia a seguir