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Tamanho e prazo da PEC precisam ser sinal de compromisso com futuro fiscal, diz Latif
Decisões passadas, notadamente a ausência de reformas estruturais, e a questão concreta da promessa de manutenção dos R$ 600 de Auxílio Brasil/Bolsa Família para os beneficiários criaram um problema para o Orçamento de 2023 cuja solução endereçada pelo novo governo deveria ficar restrita ao ano que vem, ao mesmo tempo em que ele sinalizasse para compromissos futuros que evitariam a repetição desse tipo de situação, como a realização de “spending review” (revisão de gastos). A avaliação é da consultora econômica Zeina Latif.
“É sinalizar, pelo menos, o que a gente pode esperar de compromisso com reformas fiscais, mesmo que não tenham muitos detalhes por enquanto. Essa sinalização se refletiria agora no próprio tamanho e no prazo da PEC”, diz Latif, em referência à Proposta de Emenda à Constituição encaminhada ontem pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “São decisões que deveriam ser muito de curto prazo e sempre mostrando que lá na frente vai ter um caminho para se reduzir a dívida.”
O texto apresentado prevê a exclusão das despesas com o Auxílio Brasil/Bolsa Família do teto de gastos por quatro anos e a realização de investimentos acima do limite da regra fiscal caso haja excedente de arrecadação. Não há um valor fixo, mas a estimativa é que o custo extra teto da PEC se aproxime de R$ 200 bilhões.
“Se a estratégia [do novo governo] é mandar [a PEC para o Congresso] e daí cortar [o custo total], também não é neutro. Fazer desse jeito machuca a reputação desde o início. Os agentes econômicos estão percebendo que não tem algo mais estruturado”, afirma Latif, citando que a ausência de um nome para o Ministério da Fazenda também não contribui nesse sentido.
Colocar o Bolsa Família fora do teto de gastos é ruim, segundo Latif, porque também pode tirar o incentivo de calibragem do programa. “O bom programa é aquele que no futuro você não vai precisar mais. Mas se você não tem custo, porque está fora da regra fiscal…”.
É preciso reconhecer que o Orçamento para 2023 não é factível, diz Latif. “O que sobra de recursos para o gasto discricionário, para o funcionamento da máquina, não é suficiente”, afirma. Isso aconteceu, segundo ela, tanto porque diversas despesas foram criadas, quanto porque reformas necessárias, depois da previdenciária de 2019, não foram realizadas. “A função do teto de gastos era justamente forçar essas reformas, mas não fizemos e, pelo contrário até, nos últimos tempos foram aprovadas diversas medidas que pressionam o Orçamento”, diz.
Mas o fato de haver uma situação de curto prazo para ser resolvida em 2023 não pode significar um abandono do discurso de que há ajustes a serem feitos, afirma Latif. “Não pode, uma vez tendo essa ‘licença’ para gastar mais, não se discutir como corrigir depois”, afirma.
As reformas necessárias, segundo Latif, não dizem respeito apenas à estabilidade da dívida pública – “que, por si só, já é uma grande coisa”, observa -, mas à própria qualidade desse gasto público. “Ainda que reconhecendo que tem uma situação, um problema concreto, agravado por essa questão do Auxílio Brasil/Bolsa Família, acho um equívoco fazer essa demanda para um período tão longo e não ter nenhuma discussão de como a gente vai evitar repetir o problema”, afirma.
“Mesmo que não tenha muitos detalhes, sabemos que há muita coisa para ser feita. Tem, por exemplo, sobreposição de FGTS e seguro-desemprego. O BPC [Benefício de Prestação Continuada] e a aposentadoria rural têm problemas sérios de focalização. Fora, é claro, as reformas parrudas, como a administrativa”, exemplifica. “Simplesmente falar que recebeu essa ‘herança’, que agora tem um monte de demanda da sociedade e precisa aumentar gastos, acho que não é um bom caminho”, afirma.
O PT, que carrega a marca do Bolsa Família, teria, inclusive, legitimidade para rediscutir o Auxílio Brasil, diz Latif. “Era a hora de o PT colocar que tem, sim, um problema de desenho no programa. Só que estão querendo resolver isso com mais gastos, que é o adicional de R$ 150 por criança. Tínhamos o Bolsa Família de 0,5% do PIB e estamos indo para 1,5%. É preciso repensar o programa de forma a não pressionar tanto o volume de gastos. Ele está caro e não está demonstrando efeito”, afirma.
Em relação especificamente ao pagamento do Auxílio Brasil/Bolsa Família, Latif tem a opinião de que a previsão para gastos acima do previsto na peça orçamentária poderia ser por alguns meses, o tempo que fosse suficiente para garantir a atualização do Cadastro Único por parte dos Estados/municípios e a reformulação da política. “E que seja pelo ano inteiro, seria algo no sentido de gastar mais para não correr o risco de penalizar as pessoas, mas com essa ideia de que precisa melhorar a focalização.”
Nesse contexto, Latif tem a avaliação de que os gastos para suprir o Auxílio Brasil/Bolsa Família enquanto o programa é remodelado até poderiam ser feitos via crédito extraordinário, desde que fossem estabelecidos prazos e metas para essa arrumação.
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